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Star Wars: The Mandalorian – 2º Temporada (2020) | Crítica

O desafio proposto foi imenso, mas o diretor, produtor e roteirista Jon Favreau não se intimidou com isso. Realizar a primeira série live-action do universo Star Wars, com a franquia apresentando sinais de desgaste, após os lançamentos dos últimos filmes que dividiram opiniões, mesmo entre os ardorosos fãs.

A pressão para realizar uma série estratégica para a Disney, pela necessidade de alavancar seu novo serviço de streaming, o Disney Plus. Estratégica para a Lucasfilm para dar continuidade a sua franquia. Sua galinha dos ovos de ouro intergaláctica. O currículo de Favreau favoreceu a escolha. O diretor foi responsável por estabelecer as bases cinematográficas da agora poderosa franquia da Marvel Studios quando realizou a adaptação de Homem de Ferro (2008), na época em que diversos profissionais em Hollywood não acreditavam no sucesso da franquia de super heróis, baseada nos quadrinhos da Editora Marvel. O diretor se destacou ainda em duas adaptações em formato de filmes, baseados nos marcos da animação da Disney, com Mogli – O Menino Lobo (2016) e O Rei Leão (2019).

Favreau se acercou de colaboradores essenciais nesse caminho. Como o roteirista colaborador George Lucas, simplesmente, o mestre Jedi supremo de toda a mitologia espacial de Star Wars e Davi Filoni, o mago das recentes animações do universo Star Wars de grande sucesso como Rebels (2014-2018), A Guerra dos Clones (2018-2020), A Resistência (2018-2020). Esse triunvirato de Hollywood são todos grandes roteiristas, diretores e produtores. Eles escolheram um caminho basilar para a série O Mandaloriano. Voltaram as raízes de tudo. Buscaram inspiração nas mesmas referências que ajudaram a criar Star Wars – Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977). O gênero faroeste em suas duas grandes vertentes. A fase dos arquétipos clássicos norte americanos dos grandiosos filmes de John Ford e Howard Hawks, canalizados na icônica figura do herói de John Wayne e a subversão do gênero através do Spaghetti Italiano. Em especial, nos filmes de Sérgio Leoni, representados pelo anti-heroísmo dos ambíguos personagens de Clint Eastwood, que impactou profundamente a nova série. Outro pilar adotado por Lucas e resgatado aqui, foram os grandes filmes de Samurai, do mestre Akira Kurosawa.

Reunir todos esses elementos e referências de terras de ninguém, sem lei, pistoleiros solitários de moral ambígua, mas guiados pela honra, que moldaram os personagens Luke Skywalker e Han Solo, no passado. Também ajudaram a moldar o cavaleiro solitário de armadura mandaloriana, Din Djarin (Pedro Pascal), o protagonista, nas duas temporadas da série. Lembrando que todo esse contexto recebe uma embalagem espacial, do universo de Star Wars. Enxergamos as esquinas sujas da galáxia, com tramas situadas no cenário caótico que foi a queda do Império, após o confronto apoteótico apresentado em O Retorno de Jedi (1983). Uma ótima escolha de contexto por retratar uma sociedade interplanetária em decomposição sob os escombros do Império em ruínas e a promessa de uma nova república ainda em formação, conduzida pelos sobreviventes da Aliança Rebelde, envoltos em ecos sobre os grandes feitos dos Cavaleiros Jedi.

Os mandalorianos despontam como uma ordem de mercenários que seguem um conjunto de códigos de conduta, rígidos em seus costumes, mas maleáveis, a ponto de se moldarem a moral ambígua de seus contratantes. É com esse dilema que Din Djarin recebe sua missão importante, ponto de partida para sua jornada inicial. Nada mais simples para o cavaleiro solitário. Encontrar alguém e entregar a seu misterioso cliente.

O roteiro sempre valoriza cada personagem, não importando se é protagonista ou coadjuvante, com uma evolução de ritmo suave, natural e consistente. Consegue humanizar o protagonista, mesmo que ele permaneça continuamente de armadura e capacete, escondendo o rosto do astro Pedro Pascal. Com exceção de apenas alguns minutos ao longo da primeira temporada e trechos de alguns episódios da segunda. Dando uma força dramática intensa ao Mandaloriano, com impacto semelhante a outro personagem igualmente icônico e mascarado do universo de Star Wars, Darth Vader. O roteiro não esquece de valorizar os coadjuvantes a ponto de cativar a audiência. Além de surpreender o público ao revelar o alvo do caçador de recompensas. Um misterioso bebê de 50 anos de idade, da mesma raça do poderoso mestre Yoda, apelidado pelo público de Baby Yoda, porque nem o nome do personagem foi divulgado inicialmente. Tal recurso narrativo serviu para manter toda a áurea de mistério na temporada anterior. O caçador, diante de sua presa vulnerável, decide seguir sua própria moral, fazendo uma escolha improvável que resulta em graves consequências. Escolheu a ética e a honra, acima do dever, bem na linha dos trágicos samurais de Kurosawa.

O peso dessa escolha dá uma nova trajetória ao caçador de recompensas, conquistando alguns aliados ao longo do tempo e colecionando inimigos. A série cativa seu público mesmo com um protagonista, o tempo inteiro de armadura e capacete que decide proteger o Baby Yoda, transbordando de fofura. O personagem, mantido através da tecnologia animatronic, balançou toda a Internet, mesmo com trajetos minimalistas e sem linhas de diálogo. O Baby permanece como a força motriz da narrativa, ao mesmo tempo que se torna o coadjuvante mais importante da trama e tem seu nome revelado apenas na segunda temporada. Grogu.

The Mandalorian resgata a estrutura de séries mais simples, como havia em abundância nos anos 70 e 80. Mesmo assim, não nega profundidade na ampliação do universo tão conhecido e nos poucos coadjuvantes de destaque que integram a jornada de Din Djarin, seja Cara Dune (Gina Carano) ou Kuiil (Nick Nolte). O novo herói poderia ser o próprio Eastwood em O Estranho Sem Nome (1973). Os episódios, dirigidos por grandes nomes da indústria de Hollywood, apaixonados pelo universo criado por Lucas, como Debora Chow (Jessica Jones) ou Taika Waititi (Thor: Ragnarok), reciclam grandes momentos do faroeste, como base para a narrativa, apostando no que já deu certo antes, nos grandes clássicos, revestindo com a embalagem de Star Wars.

Se a série abraçou o faroeste e os filmes de samurai com sucesso na primeira temporada, eles ampliam as bases para outros gêneros de filmes como ficção científica (Aliens, o Resgate, 1986, influência do episódio A Passageira) ou suspense (O Comboio do Medo, 1977, influência do episódio O Crente). A trama da série não busca os grandes conflitos galácticos entre o Império e a Aliança Rebelde. Foca em personagens periféricos, em lugares remotos, presos em suas rotinas, buscando a própria sobrevivência, num resgate ao clima inicial de Uma Nova Esperança. Atuar nesse escopo se mostrou uma escolha acertada, comprovada pelo sucesso da série e a popularidade de seus personagens. Porque a série conseguiu crescer, na primeira temporada, sem se apoiar em personagens consagrados.

Ao expandir a narrativa, na segunda temporada, alguns personagens já conhecidos, até especulados pelos fãs, deram as caras nos novos episódios. Apresentados com a grandiosidade que merecem, são integrados a trama de forma natural, bem construída e empolgante. Assim, nos reencontramos com Ahsoka Tano (Rosario Dawson), Bo-Katan (Katee Sackhoff) e Boba Fett (Temura Morrison). Mas o maior de todos reencontros, acontece no ápice da nova temporada. Apenas no último episódio. Um deleite para os fãs de Star Wars, como ninguém poderia imaginar. Você pode até desconfiar nos momentos próximos do fim. Mesmo assim, a surpresa é tanta, tão emocional e impactante, muito além de qualquer filme de Star Wars realizado em décadas. É preciso conferir os episódios para saber.

A série consegue apresentar amplas paisagens, totalmente integradas ao cenário, como dentro de uma gigantesca bolha, em substituição as famosas telas verdes, em que o elenco precisa imaginar onde eles estão inseridos, utilizando um tecnologia revolucionária criada pela Lucasfilm para a série que ganha muito com uma interpretação mais genuína e realista de seu elenco, em reação ao cenário virtual. Ao mesmo tempo que ajuda a reduzir custos de produção dos episódios e acelerar a realização das filmagens. Jon Favreau ousou mesclar os efeitos visuais fundamentais para uma trama situada no universo de Star Wars, com efeitos especiais tradicionais, desenvolvidos ao longo da evolução do próprio cinema.

Para ajudar a construir a grandiosidade da nova saga, temos uma grata surpresa na hipnótica trilha sonora, brilhantemente criada pelo jovem Ludwig Göransson que consegue harmonizar as marchas orquestrais, em reverência as grandiloquentes e imortais trilhas compostas por John Williams para a franquia, incluindo instrumentos inesperados ou sintetizadores bizarros, que ajudam a construir um clima de estranheza única para a jornada dos novos heróis. Observe o peso musical apresentado, desde a abertura, no episódio O Resgate, que encerra a segunda temporada.

Se havia dúvidas quanto a capacidade de Jon Favreau em realizar a série, elas acabaram no lançamento da primeira temporada. O diretor não apenas alcançou seus objetivos, como elevou absurdamente o nível de qualidade das produções de Star Wars, ofuscando muitos dos últimos filmes lançados nos cinemas para a franquia espacial e encontrando a medida certa para fortalecer Star Wars, numa celebração para os fãs de longa data, bem como a perfeita porta de entrada para uma nova geração de fãs. Uma série desse nível deve conquistar muitas temporadas. Bem vindo, Mandaloriano. Que sua jornada seja longa e próspera. E tenho dito!

Quer minha nota? Procure no céu noturno e encontre todas as estrelas visíveis.

Classificação: 5 Patas

A primeira e segunda temporadas de O Mandaloriano encontra-se na Disney Plus.

As artes se unem para celebrar a grandiosidade da Sétima Arte e representar a vida, a 24 quadros por segundo. Por isso, o cinema é tão relevante para a Cultura Pop. Siga o Instagram @ronilsonaraujocine

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