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Batman (2022) | Crítica

Adaptar algo dos quadrinhos é sempre muito complicado, você não sabe se agrada os fãs; se agrada os investidores ou o público que ama esse tipo de entretenimento nas telonas… Praticamente, o cineasta é levado a um encruzilhada existencial, solitária, sistemática e perigosa. Ele definirá, portanto, se terá ou não liberdade criativa sobre o projeto em questão; e se, será possível trazer a sua perspectiva sobre o personagem. Em Batman, digamos que Matt Reeves propôs o tempo todo dividir a sua visão com o público sobre um dos maiores nomes da cultura pop, se não o maior. Me parece que ele não esperou os desejos do estúdio se provarem, ele não esperou repetir fórmulas para que agradasse o público, de modo geral. Reeves acreditou em sua visão, na sua perspectiva e apresentou o verdadeiro Cruzado Encapuzado celebrado nos quadrinhos da DC Comics.

Originalmente, o Batman surgira numa HQ da Detective Comics, em que um órfão rico leva uma vida dupla na cidade imaginária de Gotham, observando, analisando e combatendo as forças do mal, movido, então por um espirito quase voluntarioso. Claro que o personagem buscou inspiração em homens da história e a cidade aqui, era a combalida Nova York de 29. Mas a tradição manteve-se e ganhou grandes proporções, adaptações e arcos fantásticos. O novo longa do herói da DC Entertainment resgata justamente esse sentimento primordial e noir de outrora, com muita sensatez e convicção. Apresentando algo que ainda não tínhamos visto nas telonas, apenas em quadrinhos, séries televisivas, arcos específicos. E isso demonstra que Reeves estudou bem o universo Batman. Observe que ele extraiu a essência do herói e apresentou nesse filme.

Agora, some isso a sua já conhecida qualidade artística que deu uma nova roupagem a trilogia Planeta dos Macacos, da 20th Century Studios? Pensou direitinho… Pois bem, Matt Reeves conseguiu o que queria. Obviamente que há traços do cinema clássico e subversivo nos discursos dos protagonistas, uma precisão purista dos cortes, mesclado a uma solidez diretiva – perto do ideal – . A forma de contar a história é simples, mas não rasa, envolvente, dinâmica e sim, reflexiva. O diretor acertou ao assumir um Bruce Wayne perturbado, numa cidade doente, movida pelo caos e sem esperanças. Aliás, como foi para o Coringa (2019), Gotham tem vida e assume o real protagonismo da trama [É como se passasse naquele mesmo universo, mas 20 anos depois. O designer de produção trabalhou muito bem nisso]. Batman, Charada, Falcone e os demais personagens são apenas sequelas de uma cidade que se desviou dos propósitos divinos.

Não é só uma trama envolvente, inquietante e depurativa que torna Batman fora do comum, mas sim contar com um elenco que comprou a ideia do filme [lembrem quem muitos astros participam de produções heroicas pela grana envolvida, mas esse filme foi concebido com um orçamento inferior se comparado ao gênero, portanto não é só pela grana, é também pelo o que amam]. Eles não só compreendem quem os são, onde estão, como potencializam seus respectivos personagens. Escolher um pra insinuar qualidade é danoso e quase cruel. TODOS foram excepcionalmente bem. Um ótimo exemplo disso é enxergar como em nenhuma outra produção do Homem-Morcego um nivelamento de forças [Por vezes, o vilão é mais interessante que o próprio Batman, vide o Coringa de Heath Ledger em Cavaleiro das Trevas]. Além disso, a concepção amorosa de Robert Pattinson e Zoe Kravitz é fora do comum até para um romance. Eles não tem só química, como tem “tensão”, mas humanidade no olhar [Onde você pode enxergar isso noutros filmes do gênero]. O poder de Matt Reeves sobre o elenco é quase palpável, ao mesmo tempo que é irreal. Digamos que ele foi muito preciso em suas escolhas para a equipe.

Tecnicamente, Batman não celebra os filmes comuns de super-heróis, não se respalda em referências – mesmo que estejam presentes ali -, ou universos pré-existentes, mas no cinema contemporâneo. A trama por si só se sustenta, se reinventa, se enobrece com o passar das quase três horas de duração. Você não verá nada parecido com outras produções do gênero, a não ser Coringa, da própria DC. Batman parece que foi extraído puro e simplesmente dos quadrinhos. E pra garantir a satisfação da experiência, o longa é envolto numa trilha sonora soberba de Michael Giacchino (“Homem-Aranha: De Volta Para Casa”; Ratattouille”).

Não me admiraria o filme ser indicado a algumas categorias do Oscar 2023, pelo contrário. Acho justo e quem sabe, merecedor se lograr êxito. Batman tenta mostrar que filme de super-herói é bem mais que CGI, galhofas, roupas coloridas e versões estranhas deles mesmos. É conceito de cinema também para o adulto. Abraçando o lado sombrio existente dentro de nós, através de um tom sobre o tom, o filme da Warner Bros., metabolizado por Pattinson e Cia., respira, emula o que é o cinema sob a ótica da dor e da escolha cirúrgica de um cineasta que sabe o que faz.

 

Classificação: 5 Patas

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Estrelado por Robert PattinsonZoe Kravitz, Paul Dano, John Turturro, Andy Serkis, Colin Farrell e Jeffrey WrightBatman de Matt Reeves estreia nos cinemas em 3 de março de 2022.

Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante (...) Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

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