Um tapa que mudou uma vida

Will Smith, 53 anos, estava no topo de Hollywood. Um mega-astro de vários filmes multimilionários, de cachê astronômico, conhecido mundialmente, que se esforçou, nos últimos anos, para alcançar prestígio por suas pretensões artísticas, com trabalhos desafiadores na arte da atuação. Estava a um passo para alcançar o reconhecimento máximo que um artista do cinema poderia desejar. Algo que muitos grandes nomes da sétima arte levaram carreiras inteiras sem nunca ser laureado. A vitória no Oscar. Premiação concedida aos melhores, anualmente, pela Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Todos os prognósticos apontavam para Smith, por sua atuação em King Richard – Treinando Campeãs (2021). Todos os olhos atentos. A torcida era grande. Vinha até de um de seus concorrentes diretos, outro mega-astro, Denzel Washington. Will Smith assumiu um papel genuíno naquela noite. O papel de pura alegria, ao lado da esposa,  Jada Pinkett Smith, 50 anos. Apesar dela vir debilitada pelo enfrentamento de uma doença, a Alopecia, numa condição em que ela perde o cabelo. Por isso, sua presença na plateia, ao lado do marido, com a cabeça raspada. Se Will Smith procurava a felicidade, encontrou naquela noite.

Mas como diria nosso poeta, Carlos Drummond de Andrade. No meio do caminho, tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. A pedra tinha um nome, naquela noite de festa. Era o também ator e comediante, Chris Rock, 57 anos, conhecido por suas piadas ácidas que havia sido convidado pela Academia para apresentar os indicados da categoria Melhor Documentário. Na ocasião, brincou com os convidados da festa e soltou uma piada sobre a esposa de Will Smith, pelo fato dela estar no evento de cabeça raspada. Falou que mal podia esperar para ver Jada no filme “G.I. Jane 2”. No filme “G.I. Jane” de 1997, a atriz Demi Moore é uma militar de elite e precisa ter a cabeça raspada. Acontece que essa não foi a primeira vez que Chris Rock disparou suas piadas ao casal, Will Smith e Jada Pinkett Smith. As piadas foram recorrentes ao longo dos últimos anos. 

Numa ação que pegou a todos de surpresa. Will Smith levanta da plateia, sobe ao palco e acerta um tapa em Chris Rock, em plena transmissão ao vivo do evento do Oscar, visto no mundo inteiro. Ainda não satisfeito, Smith retorna ao seu lugar e grita para Rock: “Deixe o nome da minha mulher fora da p**** da sua boca“, visivelmente irritado. Como ironia, é a noite de celebração do Will Smith que confirma o favoritismo e vence o Oscar de Melhor Ator, momentos depois, com um discurso que fala de amor, sem conseguir esconder sua perturbação com o ocorrido.

Um único momento. Um descontrole. Uma reação explosiva. Tudo o que foi construído até ali, ao longo dos anos, desmorona. Uma carreira sólida. Reconhecimento do público, da crítica, da Academia com a entrega do prêmio máximo para o ator. Anos de trabalho e esforço entram em queda livre e uma única atitude, no momento errado, pode custar toda a carreira.

A Academia já vinha sofrendo em tentar manter a cerimônia de entrega do Oscar relevante para o público atual, em índices declinantes de audiência. Eles adotaram medidas para recuperar sua relevância, como mudanças de regras e procedimentos. Variações de estratégia durante as apresentações. Múltiplos apresentadores para tornar o evento ainda mais dinâmico e mais curto. É nesse contexto que Will Smith assume sua reação mais extrema, diante de todo o público. Pegou muito mal também para a imagem da Academia, acentuada pelo fato do Smith receber sua premiação, logo em seguida, na mesma noite.

As redes sociais fervilharam de comentários. A notícia do tapa ofuscou todas as vitórias da noite. A polêmica se alastrou. O circo estava armado. Will Smith agiu correto em defesa da esposa pela piada infame e insensível de Chris Rock? Se Smith tivesse apenas se levantado irritado e questionado Chris Rock, sem excessos. Certamente, Smith sairia intacto dessa sinuca e sua vitória posterior seria ainda mais celebrada. Enquanto todo o peso da insensibilidade cairia sobre Chris Rock. Entretanto, a agressão coloca Rock na condição de vítima de um abuso da parte de Smith. A impunidade poderia transmitir a ideia de que se não gostamos da piada, podemos agredir o comediante. E nem todas as piadas são confortáveis.

Diante do incidente, a Academia reagiu a altura. Não tomou a premiação de Will Smith, afinal foi o reconhecimento de um trabalho bem feito e reconhecido. Entretanto, baniu o astro de qualquer evento da Academia pelos próximos dez anos. Uma dura lição que Smith vai precisar enfrentar. Porém, faltou outra atitude importante da Academia. Punir Chris Rock que teve sua parcela de responsabilidade por toda a situação. Não fosse a piada infeliz direcionada a esposa de Smith, nada disso teria acontecido. Mas a cerimônia de entrega do Oscar 2022 será uma noite que os envolvidos jamais esquecerão.

Após reflexões, Smith fez um pedido de desculpas público, decidiu se desfiliar da Academia e se internar numa clínica para tratar seus vícios. Os estúdios de Hollywood e a Netflix, em reação, cancelaram projetos de futuros filmes com Will Smith, sugerindo um prematuro final de carreira. Vários astros e o público geral se posicionou a favor ou contra a atitude de Will Smith. Os holofotes apontam para os dois. Will Smith amplia a venda do livro de sua biografia. Chris Rock tem aumento de público em suas apresentações de comédia ao vivo. Ainda veremos profundas mudanças nas carreiras de ambos. Tudo por um tapa.

Leia também:

• Naquela Mesa
• Guerras são absurdas, mesmo na Cultura Pop
• Belchior – Apenas Um Coração Selvagem

Tudo isso nos deixa a lição. Basta uma atitude, em alguns segundos, para desfazer um caminho percorrido por anos ou décadas. Mais do que nunca precisamos agir com moderação para evitar que algo, como um tapa, defina o futuro de nossas vidas.